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quinta-feira, 24 de abril de 2008

Mundo - Gilberto Reis

Existe um mundo onde os mundos não são mundos.
Aonde eu não sou eu, não sou mundo.

Onde o sol brilha verde, e a grama é então, azul.

Onde você é uma ciclope vesga, calva e rosada.
E eu só não sou mais mundo, mas eu mesmo, igualzinho ao eu desta terra.
E eu ainda te adoro.
Que coisa!

Uma leve brincadeira... - Gilberto P Reis

No meio do caminho tinha uma pedra,
tinha uma pedra no meio no meio do caminho.
Vez ou outra tinha que chutar alguma,
machuca o pé, mas tudo bem.
Sempre tem uma pedra no meio do caminho.
Fazer o que?
É aquela sogra, um chefe preguiçoso, o colega invejoso, o professor malicioso.
E eu também!
Tinha uma pedra no meio do caminho.

Rapaz, não é que achara uma flor no meio do caminho.
Tava no meio de espinhos, acho que deve ser pra se proteger dos passantes.
Mas também tinham pedras.
No meio do caminho tinha uma pedra, mas que tanta pedra tinha nesse caminho!

No meio do caminho tinha uma pedra,
parecia ouro, mas tava com tanta pressa...

quinta-feira, 17 de abril de 2008

INVEROSSÍMIL - Gilberto P Reis

INVEROSSÍMIL

“Inverossímil”
Ela disse.
Mas que mal te fizeram?
Pra julgues assim minha paixão?
Veja só!
“Inverossímil”.
Realmente,
Inverossímil!

Brinquedo de algodão - Gilberto P Reis

BRINQUEDO DE ALGODÃO

Aquela é um ursinho, igualzinho o que papai me deu!
É mesmo!
Desmanchou...
É o vento!

Veja o castelo!
Eu queria poder voar, e moraria naquela!
Você ia querer morar comigo lá?
Eu seria a princesa?
Sim!
Então eu quero!
Mas não vai ter dragão não, né?
Claro que não, e se tiver, eu tchum, mato ele!

As nuvens parecem de algodão!
É lá que moram os anjos, não é?
Eu acho que sim!

Olha aquela! Parece um homem correndo!
Não parece não!

Eu to vendo um elefante! Quero ver se você consegue achar!
É aquela?
É sim, não é bonitinho?
Sim!

Vamos embora!
Espera um pouco!
Por que o céu é azul?
Não sei! Vamos!
Tá acabando as nuvens, você não tá vendo?
Essas nuvens querem nos enganar!

Ou será os anjos brincando de modelar?

Ah! Já está na hora do lanche!
Vamos embora antes que mamãe nos chame!

Solitária - Gilberto P Reis

Solitária

Que linda flor!
Muito bonita...
Que flor é essa?
Não sei!
Tem espinhos!
Não a colha!
Deixe-a aí.
Mas ela está tão sozinha...
Neste campo imenso!
Ora!
E não é que ela sozinha embeleza...
E nenhuma flor fica sozinha por tanto tempo!
Deixe-a aí!
Que é o seu devido lugar!

Oliveira - Gilberto P Reis

Oliveira

Deliro-me herói grego
De saia, espada e lança em punho
Dono de alazão veloz
E dourado velocino
Em guerra contra o mundo
Porque fora o estimado prêmio
Tomado por atroz algoz
Enquanto descansava eu em Olimpo
Durante um sono meu profundo
Abraçado a epístolas em velino
Tecidas por tão olentes mãos
Em noites distantes de meu âmago
Agora sangro meu inimigo
Que por fim tomou-te por corpo
E por alma de mim
E ibidem sangro seus pares
Que mancomunaram tal propósito
A fim desse meu vil fim
Agora sou campeão de lança
Campeão da armada
Da corrida a esmo
Entre campos áridos e olivais
Por tal mal que só guerrear acalma
Essa chaga que brota em meu peito
Sou eu em terras a guerra
Sou eu o que não descansa
Carregando em escudo uma ira
Por ter a minha Helena em leito
Se entregado aos braços de outro
Tornando essa minha coragem
Que ainda em mim estante
Ávido por ti, uma pira.
Proclamo guerra e enfrearei centúria
Destituirei tronos, despearei fúria
Raptarei, subjugarei, dançarei
Findarei campos antigos, amanharei semente
Esta me proverá o ramo de oliveira.

Eu que amo você - Gilberto P Reis

EU QUE AMO VOCÊ

Cansei-me ao fingir ser bem amado,
mas agora sei,
nada mais estou que mal resolvido.
Nenhum dos casos me fez ser quem eu sou.
Sempre me doei, e nem sempre recebi o troco,
mas doação não requer troco, e sim troca.
Mas que fique subentendido.

Me fiz tolo, até idiota já fui,
mas como não encontro a medida certa de amar,
manejarei mal as coisas,
crente que nada será diferente após essa introspecção.

Cansou-me esses amores
confidenciando-me que sou especial,
“diferente de tudo que já haviam visto ou sentido”.
Dessas meias verdades e inteiras cobranças.
Dessas personagens que esperam um príncipe em cavalo branco,
dessas plebéias inexatas e incrédulas.
Que não suportam o não.
Dessas mulheres, que sonham com um lindo loiro de olhos azuis
de metro e oitenta, artista de cinema, rico, e que fale inglês.
De falo infalível.

Ah!
Enquanto eu:
“apenas” eu,
um moreno,
brasileiro,
mineiro,
e que se esforça no português,
levemente regional.
Comum.
Como os demais comuns.

Cansei-me ao brincar
com os sentimentos
nos quais não acredito,
de oferecer o que não possuo,
de precisar de favores
que extinguem a solidão .

Cansei-me de:
amores: fúteis;
sexo: fútil;
carinhos: fúteis;
esperança: fútil;
verdades: fúteis.
Dédalo.

Sim: eu amo.
E a quem importa?
Amor não mais move montanhas,
não forma constelações,
não mais rende verdades,
poesias.
Amor rende manchete policial,
patologias.

Cansou-me a vileza,
de ser vil.
Da mais profunda e sórdida vileza,
que me é reservada por olhos e línguas descrentes.
De espíritos incontentados
que culpam a todos, excetuando -se.
Dos carentes, da carência que me invade.
Do paliativo, de ser cuspido.
Das comparações, das insatisfações.

Cansou-me o esperado,
o planejado,
o sonhado e fantasiado.
Eu quero mesmo é nada,
e esquecer o que parecia ser tudo.

Cansei-me ao ser covarde,
de não encarar verdades,
de fantasiar.
De ser verdadeiro.
A verdade a nada importa,
somente a mim mesmo,
porque, por mais que seja real,
ninguém crerá senão eu mesmo,
então a que vale a verdade?
Esquecerei permanentemente de pedir,
ao longo da vida receberei
apenas o que me convier, nada mais.
Ouvirei,
Atentarei.
E regurgitarei tudo,
em proveniente reclusão.
Pois sei, que mesmo cansado de tudo isso,
ainda será isso o tudo.

Disponho-me veementemente ao egoísmo.
Eu que amo você.
Eu que me amo.
Você que se ame.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Musa Abstrata - Gilberto P Reis

Musa Abstrata

Com apenas um traço lhe desenharam.
Eu vi,
das mãos de um artista de calçada: você.

Quem será essa menina?

Com apenas um traço escrevi teu nome,
...e nunca mais amei ninguém.