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segunda-feira, 31 de março de 2008

VÔO 1123. O DIA QUE NÃO ACONTECEU – GILBERTO P REIS

VÔO 1123. O DIA QUE NÃO ACONTECEU

Já estava tudo arrumado desde a véspera, era 05h45min da manhã, mala, as passagens, ida e volta, reservadas. O hotel: cortesia da empresa.
O café fora preparado às pressas, estava mais amargo que de costume, e, a tão apreciada torrada de pão integral besuntada de cream cheese entalou na garganta. Apesar da quebra da rotina, das inúmeras expectativas, da ansiedade, algo não estava “normal”. Estava o dia frio demais para suar as mãos.
A roupa separada sobre a cama. A barba por fazer logo tirada, e nem um pequeno corte fora registrado na face. Estranho! Um banho quente ajudaria a encarar o dia.
Era aquela a primeira viagem aérea, deveria chegar ao aeroporto pelo menos uma hora adiantado, “para evitar contratempos”.
O cabelo não estava bem... Usara então um boné. A cara não estava boa , nada estava bom naquela manhã. A bem da verdade, a roupa caíra bem , nada mais.
Tudo pronto, era hora de sair. O próximo ônibus para o aeroporto sairia às 7:00 horas, e o terminal está apenas a 100 metros do prédio. Um breve check-list do apartamento, para confirmar, sobretudo, as tomadas elétricas desligadas. E se as janelas estavam devidamente fechadas.
Já no elevador, lembrara o cream cheese, desligara a geladeira, “vai estragar”. Ao menos era a única coisa que restara nela. O elevador – geralmente isso acontece quando estamos “em cima da hora” - parou em cada um dos 12 andares antecedentes, o nervosismo tornara aparente, mas enfim saíra a tempo, e após um breve caminhar, adiantara 7 minutos em relação à partida do ônibus. O pensamento voa distante, aproximadamente 500 km. O pulso acelerado. Chegara o dia, finalmente. Tantos planos, tanto tempo, e naquele momento, tudo parecia estar numa tempestade de areia.
A porta do ônibus abre, aguardara então que os demais passageiros entrassem primeiro. O motorista o olhou por alguns segundos, e com aquele silencio, parecia querer desvendar o destino daquele singular passageiro. O cumprimenta, e então fecha a porta, dando partida ao veículo. Deixando para trás um homem sentado no passeio, com sua mala, e um bilhete dançando no ar, sob o efeito da fumaça lançada pela descarga motriz.
Talvez não tenha acontecido desta forma, mas deveria ter sido, já que ninguém notara um assento vazio no vôo 1123.

VAMPIRO - Gilberto P Reis

VAMPIRO

Meus caninos querem beber do teu pescoço
Sob o sol de meio-dia
No ponto mais quente de seu corpo
A camada mais suave de sua pele
Sacie minha sede de você!

INFÂNCIA - Gilberto P Reis

INFÂNCIA

Lembro de quando eu era cedo acordado por mamãe
Eu que nasci cansado, como dizia ela, tinha todo o ânimo da vida para acordar cedo nesses dias.
Era quando ela me literalmente me carregava para a fazenda, um tanto longe, uma légua e meia, talvez. Eu que era menino novo, bastava reclamar os pés doendo e ela me montava cavalinho.
Nos dias de frio, íamos abraçados, aquecendo um ao outro.
E saíamos no fim da madrugada, quando a maioria do mundo ainda não havia acordado, e até mesmo poucos galos.
Por vezes tínhamos a lua para iluminar a estrada, e minha mãe contava estórias da roça, de quando ela era menina e até mesmo de mula-sem-cabeça e saci, o que me metia medo a cada balançar de árvores e piado de coruja.
A lua dava um tom de felicidade àquela face, geralmente serena ou mesmo carranca.
Por anos eu a acompanhei, crescendo fui, então só ia nos dias de férias da escola...

O OLHO QUE NÃO CEGA - Gilberto P Reis

O OLHO QUE NÃO CEGA

Porque tenho eu falar de amor, paz, flores e colinas verdejantes?
Só porque finjo ser poeta?
Não!
Quero e falarei, de guerras, morte e ódio, suicídio e depressão.

E receba este assim mesmo
Curto!
Sem rimas e métrica
Por que já está de bom tamanho.

A/C - Gilberto P Reis

A/C

Aos meus amigos
[inimigos eu não tenho, se os tenho, desconheço, então perigo corro]

Minha família
Meu irmão morto

Aos antigos, aos novos, aos esquecidos
[colegas de trabalho, de escola]

A meu amor – esqueci, não a tenho.

Sou meio esquecido.
Aos meus pecados

DESAMOR - Gilberto P Reis

DESAMOR

Mulher!
Onde encontro esse sentimento?
Que fará com que eu te consuma?
Com que eu não seja egoísta e tão logo venha a cessar?

Mulher!
Onde está essa essência em mim que não aflora,
mas que tanto exala em ti?

Mulher! Não peça mais para que me deite.
Não sofra!

ALICE - Gilberto P Reis

ALICE

Faça de conta que eu sou eu.
[E você continue sendo você mesma.]
Faça de conta que me abraça
Faça de conta que está feliz
No país das maravilhas, dos burros falantes
Faça de conta que você não tem rei e a justiça emana

Faça de conta que é muito natural
E que descansam os homens

Faça de conta que o amanhã virá diferente.

QUE TAL? - Gilberto P Reis

QUE TAL?

Eu,
Você,
Ao meu lado sem segredos
Falo-te tudo sobre mim
E ainda o que não fiz
Façamos do tempo a alegria
E algum momento pra chorar
Pois é preciso cicatriz

Falaremos sobre estrelas
Ecologia futebol
Sobre o amor
Meus amores
Sobre musica sobre esta talvez

E que tenha não medo por seus erros
Juntos sempre há jeito de consertar

Falaremos sobre tudo que te possa interessar
Faculdade camisinha
Carnaval hipocrisia
Sobre a minha timidez

Ou um mesmo assunto várias vezes sem ao menos nos cansar
E de cara eu direi: te amo.
Só pra começar

Vamos ver TV, falar de mim, de você
E quem sabe...
Do cinza, da rosa e por que não? De blues...

Carnaval de amargura - Gilberto P Reis

Carnaval de amargura

Sou Pierrot e choro por sina
Choro pela Colombina
O arlequim que é mais graça te roubou
Me deixou assim desiludido de mim
Perdido sem os olhos da colombina
Sozinho fugindo da multidão
Pois toda colombina só quer amor depois da festa
Depois que abusou no prazer e ressaqueou na desilusão.
Mas também, arlequim é cantor, é ator, é jogador, é lírico, é caçador, é rico, e tem uma ilha em seu nome.
Conhece o mundo como a palma da mão e tem loqüela .
Arlequim já foi pirata, astronauta, cowboy, marinheiro, herói.
Colombina é sonhadora, sentimental, de dentes alvos, olhos diamante e lábios carmim.
E eu Pierrot nato, o que será de mim?
Me fale Colombina, como seria se não existisse arlequim?

FALANDO DA MORTE - Gilberto P Reis

FALANDO DA MORTE

Viver é bom
Morrer é bom também

E digam:
-- Vire essa boca pra lá!
Ai se me censuram!

Mas vejam só:
Vivo sou poesia
Morto sou lembrança
Que diferença faz?

É bom viver enquanto está vivo
Depois que morre morto está e nem percebe
Nem reclama
Então...

Morrer em copula
Em cama
Morrer sentado no sofá
São mortes boas, sabia?

Mortes doentes são ruins
Ataque cardíaco nem se fala
Morrer de barriga vazia faminto
Mas depois que morre é uma maravilha
Dá vontade de morrer de novo

Eu que não tenho pressa
Senão morria hoje mesmo
Mas como venenos pecam pela pressa
Espero, e que não morra do pior modo
Pois só se morre uma vez não é mesmo?
E não quero desagradar de minha morte.

Mas acho melhor não morrer hoje mesmo
Marquei compromisso pra noite com a Tereza
E se falto ela me mata.

Despedida na estação de trem - Gilberto P Reis

Despedida na estação de trem

Me abrace
Me beije
Me olhe
Me pegue e apegue
Me leia
Me rasgue
Me carregue
Me leve
Me guarde
Me aguarde
Mas nunca me esqueça no guarda-volumes.

Eu... - Gilberto P Reis

Eu...

Não sou herói nem de mim mesmo
Mas já fui anjo de alguém
Sei que há mais valor no que não se tem
Enquanto isso a vida passa,
a que me permite
Transmite luz

A luz do sol me cega
Não me deixa saber
Quem serei eu

Amanhã!

Acordo cedo sem pressa
Não há nada mais pra se fazer
Pois o sol já está lá
E eu não consigo ver

E a manhã vem de surpresa
Com suas surpresas
Porque enquanto durmo as coisas acontecem.

ONDE ESTÃO AS PALAVRAS? - Gilberto P Reis

ONDE ESTÃO AS PALAVRAS?

Ainda estou esperando a palavra
Ela não veio
Uma verdade ficará oculta
Pois a palavra não veio
E sem palavra verdade não há

Mas é certo que cem palavras seriam mentiras
Mas sem uma palavra
Nenhuma palra é confiável

Mas minha reminiscência é falha...

AMANHA DA SIGNA - Gilberto P Reis

AMANHA DA SIGNA

A terra acolhe o jardim
Que acolhe a flor.
A flor acolhe o inseto
Que colhe o néctar
E acolhe o pólen.

O inseto distribui gametas.
A mão colhe a flor.

O vaso acolhe a água.
A água do vaso acolhe a flor
Que a mão colheu.
O nariz acolhe o sabor
O olor.

A flor acolhe o nariz
Colhe felicidade
E murcha.

TODA SAUDADE É UMA ESPÉCIE DE VELHICE - Gilberto P Reis

TODA SAUDADE É UMA ESPÉCIE DE VELHICE

O nascido já nasce morrendo
[senão natimorto.
Pois cada dia passado
É um dia a menos
E pelo fim esperado.

Sendo a vida simples
Passa rápido como corisco
Cada dia de esperança.

Cada dia é passado.
O passado de hoje é agora
De agora será amanhã.
O de amanhã já é esquecimento.

E como presente e futuro não existem
[o presente é ilusão.
Volvemos ao passado.
Passa-culpas é a vida.
Somos passatempo.

Passacale já não mais toca
Não tocam no nefasto passado
Não tocam no inciso fechado.

E como finda minha cota
De suspiros e aspirações
Pois passado ajunto muito.
Que conservem os brasões.

MESA PARA DOIS - Gilberto P Reis

MESA PARA DOIS

Como-te a carne quente suada salgada
No bafo do forno febril encerrado
Iguaria em óleos essenciais
Denunciando a gulodice o pecado.

Cozinho-te em olhos ferventes
E sinto sua carne vermelha ardente
O rubor o sabor o repasto.
Rega-bofe fausto.

Derrubo-te o molho cálido
E enrolo-me em ti. Uma massa.
Molho e massa, malha e mosso.

Bebo-te o vinho dos lábios
Que escorre os seios o corpo o copo
Sugo-te o néctar o suco a alma
Cheiro o sabor da pele curtida
Em licor de mangaba.

Como-te o doce dos olhos
Do melindroso corpo formosa
A língua molhada cremosa
Que escorre cicio e calda.

Dance Baco dance!

ARFAR... - Gilberto P Reis

ARFAR...

Inspiraaaar... Expiraaaaar...
Inspiraaaar... Expiraaaaar...
Aaaaaaaarrr...
Arfaaaarrrrr...

Vida! Unnn...fuuuu...
Unnn...fuuuu... unnn...fuuuu…
Ssssss...fuuuuuuuu...

Aspiraaaaar… vida.

Suuffooooco. Aaaarrrrr…
Brônquios! Aaaarrrr…Vida arfante.

Noite de profunda insônia - Gilberto P Reis

Noite de profunda insônia

Quem nunca sentiu o corpo expandir
A ponto de parecer explodir
ao acalanto da boca macia
fundida ao corpo rígido
língua e verso verbo fálico

Corpo corpo... fundido
Dissolvido
Voltvai num amor lúcido
Entrelaçado intumescido

Mulher voluptuosa
Levará o meu verso minha língua
[Enquanto gustarás meu órgio.
Ao ponto lúbrico pequenino desse corpo
E que não me negues pois sou seu rei.

Beijo boca céu estrelas em quarto escuro
Boca vulva boca
Seios coxa bunda mamilos rosa-cravo
Mel de favo carnoso seda pura

Virgem minha experiente dama
Que me abriga em colo macio
Que meu corpo inflama
Me resguardando do mundo pelejado
Em teus pertuitos perfumados e febris

Já em fogo que não fere mas aquece alma
No acme do prazer a colher o fruto
e receber as glórias, o sumo, em borbotões e espasmos
Me consome e me deixa esgotado flácido

Não se cora devido o corpo nu e caminha
[com graça no quarto lúdico.
E esvai-se a culpa do olhar pois é mágica
[e pura, divina essa carne.
Já não me perturbam as formas, é plácida.
Descanso. Renasço.

A VOCÊ, COMPARADO AOS OUTROS QUE DEVIA TER FEITO - Gilberto P Reis

A VOCÊ, COMPARADO AOS OUTROS QUE DEVIA TER FEITO.

Te desejo todo o amor do mundo
Que possa desfrutar
A paz verdadeira
que insisto em te dar

Enquanto isso vai continuando
Em buscas...
Do verbo amar
Mesmo sabendo que é tão fugaz
Aquele mesmo! Que não me podes conjugar

A vingança do amor. Dói! Ardor!
Rendo-me travesso, infante vassalagem.
Mesmo que sofra que me ultrajem
Continuo
Consola-me este horror, esta tristeza: tua felicidade.

Oh Grande! Oh penoso Amigo-fantasma!
Que divide comigo frustração.
Tão logo as crianças não venham pra levar tudo ao chão
Permaneço um bárbaro sagaz em meu pensamento.
Tu que entende de toda sorte de coisas, um dia irá entender...

TENDA DAS INCERTEZAS - Gilberto P Reis

TENDA DAS INCERTEZAS

No circo de todo mundo eu fui
O palhaço comediou e riu de mim
Eu chorei.

[Certas coisas não se encontram em quitandas. Venenos sim. Mas venenos decifram os crimes.

Na 3ª margem do rio eu esperei
A chegada da criatura feliz
Eu sorri.

A roda partiu-se ao meio
A galé afundou levando meus desafetos
Gloriei batalha
Dormi.

Platônico - Gilberto P Reis

PLATÔNICO

Olho apenas vejo
Você não me conhece

De pé e te sonho
Você não me conhece

Desejo o seu desejo
Você não me conhece

Tento-me a ti mostrar
Você não me conhece

Não desisto nem conquisto
Você não me conhece

É perfeito, não dana,
Nem percebo quando acaba
Você não me conhece

Velei-te em sono febril
Em noite fria.
Ainda assim você não me conhece.

Transe - Gilberto P Reis

TRANSE

Eu não careço de tantas coisas que achei que carecia.
E eu não obtive nem a metade das coisas que ansiei.
Não vivo mais escravo do desejo, dos sonhos.
A que perdi minha conquista?
Na poeira dos sonhos nebulosos se fuera.

Derramando como deserto entre os dedos,
caindo pesado como cometas kamikazes,
sangrando o chão onde piso.

Queimando toda a vida que havia ao meu redor,
meus olhos não brilham mais,
olhos em preto e branco,
não choram.

Mas queimam, estalam.

TABIQUE - Gilberto P Reis

TABIQUE

Não te amo como se fosses rosa de sal,
topázio ou seta de cravos que propagam o fogo:
amo-te como se amam certas coisas escusas,
secretamente, entre a sombra e a alma.
Amo-te como a planta que não floriu
e tem dentro de si, escondida,
a luz das flores e,
graças ao esse amor,
vive obscuro em meu corpo
o denso aroma que subiu da terra.Amo-te sem saber como, nem quando, nem onde, amo-te amiúde.Amo-te diretamente
sem problemas nem orgulho:
amo-te assim porque não sei amar de outra maneira, a não ser deste modo
em que nem eu sou nem tu és,
tão perto que a tua mão no meu peito é minha,
tão perto que os meus olhos se fecham com seu sono.

Moça - Gilberto P Reis

Moça

Cabelos... Vento do inverno assobia no assombro da escuridão
Negros cabelos brilham, brilham meus olhos para a solidão
a noiva não veio, se veio não a vi, insalutífera distração
sempre foi assim nas noites de São João.

Louco como eu só
e que por ti que não desata o nó
como que eternamente num caaigapó
eu esteja opresso aguardando tornar-me pó.

Disponho me de luvas para apanhar guloseimas
guardo sob pesadas mantas meus pulsos e teimas
para que a freima que me toma não falte as maneiras
exultando meus desejos contra as regras costumeiras.

Me recolho acabrunhado
Pés-de-moleque provisionados na algibeira
guardar o sabor do domingo p´ra segunda-feira.

Carta - Gilberto P Reis

CARTA

Aos meu amigos
inimigos eu não tenho
- se os tenho desconheço
desconhecendo, perigo corro -.
À minha família
Ao meu irmão morto
aos antigos
aos novos
esquecidos
colegas: do lavoro, das lições.
À vizinhança desconhecida.
Mentário.

Ode à morte - Gilberto P Reis

Ode à morte

Meu irmão morreu
Meu cão morreu
Minha mãe vive
Graças!

Meu pai morreu
Alguém sentiu faltas
Não fui eu decerto.
Se quiser, chores!

Meus avôs morreram
Amigos morreram
Aos muitos poucos.
Eu fiquei.

Como sempre fico
Nostálgico, apático.
O amor morreu
Como sempre.

O poeta morreu
Não enterraram sua poética.
Os poetas morreram
E ninguém pra reclamar. Imito.

E eu...vivo.
Alguns dias muito vivo.
Muitos dias vivo.
E outros poucos morto, vivo.
E tem dias que preferem morrer.

SAUDOSISMO - Gilberto P Reis

SAUDOSISMO

Como é bom te ver
E não ver sua tristeza.
Gostaria que tivesse encontrado
um amor valente,
Constituído família,
tido filhos.

Eu lutaria uma guerra.
Desde que fosse guerra
Homérida,
e não de armas químicas
e mosquetes.

Já que não o fez.
Já que não o fiz.
Hoje eu morreria por você,
e não pediria nada em troca.

Casamata - Gilberto P Reis

CASAMATA

Hoje me descobriram
Me despiram
Hoje me fiz um nada
senti a labéu do homem

Tanto mais minha ingenuidade
Que com a força da insegurança
Me permite a boa mentira.
Boa? Para quem?
Hoje, em minha cova em folga de sepultureiro
Aguardo.

Frutos secos - Gilberto P Reis

FRUTOS SECOS

Veja o sangue em minhas mãos
Fruto de o meu fazer
Eu que sempre temi as armas
Eu que sempre amei a vida
Armei a morte.

Ficarão órfãos os cães
Morrerá todo o jardim.

Polissemia Urbana - Gilberto P Reis

Polissemia Urbana

Belos quartos
Corro a quadra
Perco a senhoria e a dona.

Vão... Depositei no banco
O meu suor, meu cansaço.
Descansei.
E ao meu lado: Praça. Memorial. Praça.

Na escola, crianças, cola.
Na escola, crianças, ficam.

A fonte secou!
Só não secou a lembrança.
Concreto. Alto. Auto.
Vidro. Vidro. Reflexo. Reflito.
Faixas. Atento ao Coletivo! Passe.

Pé-de-pau. Paraíba.
Estou na Pindaíba.
Na minha frente pára mascate.
- Saia! Sem renda... Presente pra moça sorrir
- E também eu, acá vários dias, mas precisando de meio pra partir.

- Sou moço sem moça, moço.
- Pena! Ou levaria a leva...

Boteco se torna Botica
Matando minha sede
Curando minha dor.
Não é doença... Solução...

Belos quartos
Corro a quadra
Perco a senhoria e a dona.

Vão... Depositei no banco
O meu suor, meu cansaço.
Descansei.
E ao meu lado: Praça. Memorial. Praça.

Na escola, crianças, cola.
Na escola, crianças, ficam.

A fonte secou!
Só não secou a lembrança.
Concreto. Alto. Auto.
Vidro. Vidro. Reflexo. Reflito.
Faixas. Atento ao Coletivo! Passe.

Pé-de-pau. Paraíba.
Estou na Pindaíba.
Na minha frente pára mascate.
- Saia! Sem renda... Presente pra moça sorrir
- E também eu, acá vários dias, mas precisando de meio pra partir.

- Sou moço sem moça, moço.
- Pena! Ou levaria a leva...

Boteco se torna Botica
Matando minha sede
Curando minha dor.
Não é doença... Solução...

Suplício de Tântalo - Gilberto P Reis

SUPLÍCIO DE TÂNTALO

Na intenção apenas,
E não no trato das regras,
Me valho mais para o parnaso
Na construção de meus verbos.
Mais porque se trata de um real
Sentimento.

Mas é veneno sem dor
Remédio que não cura
Comédia infeliz.
Sem risos sem romances sem lágrimas
É que a moça não é de outrora.
Não provinciana... É contemporânea...
Não se abisma com sentimentalismos.
Romântico já não mais sou.

Obstante, me vou.
Estúrdio como sou.
Não pra´qui, não pra´lá.
Caminhando precipícios.
No extremo dos meus dias.

sábado, 22 de março de 2008

Poemas, poesias e prosas e...


O gato – Gilberto P Reis

Boa-noite! Digo ao espelho
Vem a hora do descanso
A tinta secou
A pena gastou
E sendo assim os sonhos não voam mais

O papel branco na mesa
Revela onde estou
Os meus desejos carnais

Sabe-se que Marias e Marias
Partem e vão nem sempre sós
Há sempre outros Joãos
João que me tomou Maria
Me presenteou a solidão
E não é por Maria
Por que Maria tem muita
É por causa do gato

O felino que me esquentava os pés
Aos pés da escrivaninha
De madeira compensada
O bicho não era meu
Era de Maria
Tanto que nem lembro o nome do bicho
Assim como Maria não se chama Maria
E quem a levou não se chama João
Mas o gato foi levado e
Era branco como o papel sobre a escrivaninha.

Papel
Que limpa a boca gordurosa
Que orna sanitários
Que aceita obscenidades
Que suga água e óleo
Que seca os dedos glutões
Sempre branco
O branco merece o sujo

Era estranho e belo
Maria acariciando o gato
Carregava pra lá e cá
Amava o bicho
Me odiou no final
Eu não tinha ciúmes do gato
Entende?

Maria era gentil
Com o gato com João
Comigo não
Mas eu tinha pena
Papel, tinta, ...e gato
A raiva de Maria era que no papel branco
Eu escrevia Maria rainha eu era rei
No papel branco.

CAMAFEU – Gilberto P Reis

CAMAFEU – Gilberto P Reis

A grande pedra que carrego estava sob meu passo
E guardei em meu bolso
Enrolada em papel de sonhos gravados com caneta esferográfica
Em noite insônifera
E tende-me a tombar de lado pelo bolso cansado.

Carrego a pedra pra peso de papel
Para o papel de sonhos
Sonhos são ironias que ainda não aconteceram
Que aguardo como um camafeu.

Minha morte é ironia.
Ironia não dar meu nome ao seu filho que não é meu
Não dançar valsa em bodas de vossa senhoria
Velar-me sem seu desespero de viúva precoce.
Quão insano estou

E eu canto

Recanto pra afogar memórias
Maltratá-las como maltrata os ciúmes
Crime meu do mundo do criador do mundo.
E mensuro a pedra e parto em duas
Pra equilibrar meus lados enquanto caminho
[em chão pavimentado.
Em minha casa, solitário, servirão de peso de papel
E pesará meu sonho.

Sem copyright

LEI PARA TODOS OS HOMENS – Gilberto P Reis

LEI PARA TODOS OS HOMENS – Gilberto P Reis

Cada rua que eu subo e desço; mensurável.
Como que cada dia andasse mais pelo mesmo caminho.
O caminho se torna maior e fatigoso.
O mesmo imensurável.

Ou eu não percebo possível causa; menso.
Causa incógnita de ser; mensual.
E por caminhar o mesmo caminho.
Afim de sustentar; mens legis.

Mênstruo; para matérias pertinentes
Que ao acaso possa me ser valente.
Visto esses dias fatigantes.

Mentado; serei por pouco e poucos.
Em lápide barata sobre terra intumescida
Denunciando cova pobre.
Tumeficado; Já estou há muito...

CONTA O PONTO... – Gilberto P Reis

CONTA O PONTO... – Gilberto P Reis

[Todos querem...
Partindo do princípio de qualquer conto
Em que todo ponto marca o fim
-E que o fim é o começo-
De qualquer história
Mas não marca pontos necessários
Para que haja encontros
Enquanto se perdem e perdem Tickets de desconto.
Bilhetes de cinema para historiar calmantes
Sobre o começo da vida e o fim do amor
Das lições e missões sucedidas e das relações marginais
Fim de mês e do sal contas muitas e do colar
Que contava a historia da avó e avô
E agora pagam as contas do penhor
Sendo o penhasco remédio de um comprimido só
Muitas vezes já curou a dor
De alguns de muitas histórias que o livro
Ocultou nas páginas em branco, e arrancadas
Para fazer calor.
E eu não sei seu conto
Por acaso ias...?
... Contar.]

TINHOSA – Gilberto P Reis

TINHOSA – Gilberto P Reis

Que queres tu?
Senão desgraçar-me a razão
Tornar-me um bêbado em dias de novena
Profanar o púlpito de minh’alma?

Que fazes tu?
Senão condenar-me ao lânguido martírio.
Caminhar-me ao lodo viscoso
Por puro prazer profano.

Que pensas tu?
Que deixarei cair-me em desgraças?
E ser levado ao dorso de Argali?
Engana-se, sou anixo,
mas virtuoso às escusas.

Então bruxa mandingueira,
minha´alma não carregas.
Menos meu coração.
Menos meu perdão.

terça-feira, 4 de março de 2008

[Do lat. Amore] - Gilberto P Reis

[Do lat. amore.]

Amor: abstrato substantivo.
Mas vamos ao que me interessa. Tanto falei, tanto ouvi , e ainda não sei o que é realmente. Então presumo assim, como presumem os filósofos e astrólogos: amor é uma empada de camarão e coca-cola.
Fulana é uma senhora, usarei do termo assim mesmo, que sofre de velhice. Vive há 83 anos. Fora um exemplo de amor incondicional de mãe, fora. Hoje quase não anda, e imotivada, quase não sai da cama, pouco fala. E sofrendo dos malefícios – ou por que não belezas – da velhice, não ama mais seu filho, este mesmo que abdicou de sua vida para cuidar do que resta da dela. E ela: não o ama mais, simplesmente porque não se lembra quem ele é. Ele não é seu filho, vez e outra a previnem para o contrário (mas é esforço desnecessário, sem valia). Não ama a mais sequer seus três cachorros, devido suas faculdades mentais. Não, não ama a mais ninguém.
Mas não é este o assunto.

(Nenhum amor é eterno. Confiem.)
Amor à primeira vista. 1. Amor súbito, ao primeiro encontro.

Amor carnal. 1. O que busca a satisfação sexual; amor físico.

Amor físico. 1. Amor carnal.

Amor livre. 1. O que repudia a consagração religiosa ou legal, representada pelo casamento.

Amor platônico. 1. Ligação amorosa sem aproximação sexual.

De mil amores. 1. Bras. De todo o gosto; com o maior prazer; com prazer.

Fazer amor. 1. Ter relações sexuais; copular.

Pelo amor de Deus. 1. Por caridade; por compaixão.

Por amor à arte. 1. Desinteressadamente, gratuitamente.

Um amor. Fam. 1. Pessoa ou coisa muito linda; um amoreco, um sonho, uma graça, um encanto, uma coisa, um doce, um doce-de-coco, um negócio, um troço, uma uva.

Amor é uma empada de camarão e coca-cola, alguns minutos de prazer, fugaz. O amor é fugaz.
Acaba quando a beleza acaba, quando o tesão acaba, quando o tempo demora acabar.
Amor com tempo torna-se costume, não há como negar. E o permanecer, a resignação, são justificados pelo medo, pela insegurança. Pior sem amor, muito pior com o nada.

Mas volto à empada de camarão e coca-cola.

Isso é amor que conheço, amor de verdade, curto, mas real, concreto. Úmido e quente, refrescante e gaseificado. Para o gozo da língua, do corpo, do ego. O gosto.
Mas logo; deglutido, digerido e absorvido; o amor é consumido, acaba. E acionada a descarga sanitária – decerto não era aquilo o que eu amara – se esvai, e vai, sem remorsos, o amor.
Custo total do amor: R$ 3,50 na Irmãos Empada.

Domingo no shopping - Gilberto P Reis

Domingo no shopping - Gilberto P Reis

_ Venha ver este modelo!
_ ...
_ E então, não gostou?
_ Você viu aquela TV de quarenta e duas polegadas? Tá na promoção!
_ Viemos comprar estofados, e compraremos estofados!

Ela já não suportava mais olhar aquela velharia prostrada no meio da sala, herança de sua sogra. Nem convidava suas amigas devido à vergonha. Convencera o marido a trocar o sofá após semanas de insistência, é para ele relíquia de família, ela opinara por doá-lo para a caridade, jogar fora. Mas o marido consultou um antiquário, e é incrível como algo tão soez desperte o interesse de algumas pessoas, e elas pagam caro por isso, que levassem de graça, mas não precisaria usar da poupança para custear o novo jogo de estofados. Não pensou duas vezes, tanto que o espaço na sala está desocupado há três dias, esperando pela coragem do marido, já que a poltrona ficara, assim como a TV de 29 polegadas.

_ Gostei deste branco! Camurça, não é?
_ Dá muito trabalho para limpar, e também teríamos que trocar toda a sala para combinar. Principalmente sua poltrona velha!
_...

Ele é alheio a quase tudo, não discute, apenas ouve, e por vezes passam semanas e só ouvindo, por fim faz as vontades dela, não desiste mesmo. Mas a poltrona fica, e agora que o Timão subiu pra série A do brasileirão... Ah! Aquela TV de 42... Ela que escolha o sofá, ela é quem sempre escolhe mesmo.

_ Pronto! Será este modelo azul! É lindo!

Comprar um sofá é muito mais simples quando se é solteiro. Quando não é fanático pelo Timão. Azul lá em casa não entra. Assina o cheque e conclui a compra. E enquanto a mulher vai namorar o refrigerador duplex com “dispenser” de gelo na porta...

_ Mande entregar um modelo preto!

Acata o vendedor, com um sorriso sádico, e com a comissão que lhe faltava para comprar aquela TV de 42 polegadas.