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domingo, 26 de outubro de 2008

O MAL NÃO CAUSA MAIS ESPANTO - G. P. Reis

O MAL NÃO CAUSA MAIS ESPANTO
Ao paraíso que vós esperais, porque a Terra é uma grande privada celestial.
Continuadamente faço críticas às convenções sociais contemporâneas. Repasso meus argumentos a poucos alguns, se todos lêem não sei, e se reflexionam, menos, mas o que me importa é o caminho, a reflexão, a intenção da idéias, pois tenho fé que não tardará a prática, a exposição do eu e do fazer, em deposição do outro e do observar.
Contemplamos no século passado de um impressionante avanço técnico científico, um salto milenar graças às guerras e exploração não sustentável, mas em revés, estatui dia após dia o detrimento social. Desde que tenho consciência de mim e do mundo, não somava tanta perversão humana quanto a que acomete na última década e prossegue. E não sou sequer de longe um apocalíptico, mas ser mal pelo visto é regra e bondade é exceção. A banalização da maldade é comum em discussão de muitos happy hours. Roubar, matar e etecetera diante às câmeras de segurança ou da Globo é cool, “de pagar pau”. Eu digo que é decadência. Estranhamente eu digo, relativamente aos criminosos atuais, com poucas exceções, os bandidos de 40 e mais anos atrás são dignos de respeito, porque respeitavam as comunidades, embora não deixassem de atentar contra ela. Entretanto, os fatos são outros, devido o domínio do crime pela juventude, e atualmente bandido não respeita, e seus atentados são cada vez mais vis, como que quanto maior a crueldade, maior a sensação de poder. Tenho uma profunda ojeriza por criminalidade e criminosos, independente do número e grau, e posso viver em uma sociedade tomada por eles? Sim, posso. Mas o que não posso é aceitar a desconstituição do Direito e da liberdade. A Carta dos Direitos Humanos fora escrita afim de proteger bandidos? Decerto que não, fora escrita para proteger cidadãos de bem para que estes não sofram abusos por parte dos criminosos. E como estatisticamente é bandido que cai nas garras da polícia, ironicamente são estes que mais usam deste direito, porque infelizmente para ser o mínimo justa, a Lei deve ser comum. Mas não é estranho que o indivíduo que mais desrespeita determinada lei seja invariavelmente amparado pela mesma? Também tenho ojeriza de Direitos Humanos, porque sei que ela está aí, regula, e estará pronta para justiçar a meu favor acaso eu sofra qualquer atentado, mas ela não estará aí quando acaso eu estiver sofrendo o atentado, e o meu algoz sorverá de todos os benefícios da lei. Este argumento poderá levantar uma provável tese de que renego todas as leis, já que visto a capacidade humana para o mal e a desobediência, nenhuma regula, e sim, efetivamente coage à pena pós-fato consumado. Mas é que tenho uma leve tendência à reciprocidade, mas infelizmente, ainda que fosse de comum senso entre a sociedade, seria um grande desafio para o campo jurídico praticar tal segmento. Como aplicar pena igual à aflição produzida pelo réu à vítima?
O caso dos Denunciantes Invejosos ¹. Somado às minhas convicções morais e éticas, este caso, complexo, exposto no curso de Direito, me fez duvidar se quero mesmo seguir essa carreira. Observando os colegas em um júri simulado, percebi que alguns brilhantemente incorporaram fatalmente o caso, e observei principalmente a convicção daqueles que faziam a defesa, utilizaram repetidamente da palavra Lei, tanto em seu sentido estrito como léxico. Como integrante do júri, votei pela condenação dos réus e expus minha tese, mesmo que brevemente, pois a mim não são necessários longos discursos para qualificar minhas convicções. O homem ao longo das eras lapida a Ética, a partir da Ética cria o Direito, e ao longo das eras o homem desvirtua o Direito da Ética e o presta a Letra. O Direito segue os preceitos da Lei, e concomitantemente segue os preceitos da Moral e Ética. Mas em nenhum momento, tanto da defesa quanto da acusação, ouvi menção disto. Falou-se sobre respeito à Lei, à Constituição estatutária e até mesmo sobre sentimento de compaixão, mas não de Moral e Ética. Defendeu-se o medo de um regime autoritário, a obediência às leis vigentes. Como defender ações de valor moral execrável apoiando-se nesses argumentos? Devo eu condenar um cidadão injustamente apenas porque a legislação me chantageia, corrompe ou ordena? Devo eu defender um assassino confesso e de culpabilidade inegável? Se as respostas forem sim, não presto para o Direito. Lei é letra, e letra é mutável, Moral e Ética é lógica, e não se dá ao desfrute. Eu sou a liberdade, e nenhum sistema me tomará disto, e nenhuma chantagem, corrupção, ameaça ou medo me fará desistir da fé em mim mesmo ². Posso usar de vários argumentos infalíveis para absolver um carrasco, mas nunca mentirei para mim, e agradeço a impossibilidade de tal ensejo.
A sensibilidade para o mal se perdeu com a expectativa do capítulo intrigante da novela das oito. A sociedade acostumou a esquecer as notícias de abusos e aflições relatadas nos telejornais noturnos logo que surge o galã na chamada da novela. Sites de conteúdo fúnebre, que divulgam cenas de torturas, assassinatos e execuções sumárias são vistos por jovens com torpor. O índice de violência contra mulheres e crianças é assustadoramente crescente. Há quem diga: “peraí, desde sempre mulheres são mortas ou agredidas pelos homens, em certos países faz até parte da cultura, por exemplo na Índia”. Mas retruco dizendo que essa “cultura” nunca foi apoiada pela Ética, e sim pelas leis, e atualmente nem as leis apóiam tais atrocidades. Essa necessidade de poder sobre o outro, de domínio, de imposição de vontades, é sim, um mal. Atuar como se eu tivesse direito sobre a vontade do outro e até mesmo sobre sua vida deve no mínimo render o direito à precedência, dando direito a outrem para que aja sobre mim de mesma forma. O recente caso “Eloá” serve como luva à minha tese, - pois findado, e com fracasso o caso, nenhuma outra serventia terá senão para estudos e estatística – como reservar o direito à vida a um delinqüente que oferece desde a primeira hora do incidente risco iminente aos reféns? Um policial dito comandante perdeu a LIBERDADE de ação por MEDO da reação popular quanto a um possível abatimento de um criminoso, um policial experiente, que junto a seus subordinados, recebem um salário incompatível com função que exercem, e que para treinarem e se capacitarem para atuar em casos semelhantes precisam pagar do próprio bolso tais treinamentos porque o estado é negligente, o mesmo estado que tanto orgulhamos ao dizer que somos NÓS. O criminoso atira contra vários cidadãos na rua, diante câmeras e fuzis da polícia, e ainda assim é um pobre coitado de coração partido. Já ouvi falar de muitos que foram executados pela polícia por menos. Dá próxima vez que eu tomar um pé na bunda sairei atirando ao léu, gritando “é nóis”, enrolado pela bandeira do cruzeiro. E pode até ser sarcasmo de minha parte solicitar isto, mas depois do fatídico incidente com esse cidadão Lindemberg, alguns outros cidadãos de direito pleno resolveram copiar. Seria epidemia de pés na bunda e machos contrariados ou a mídia explorando a oportunidade? Esta resposta não tenho, não tenho respostas para muitas das minhas perguntas, mas é certo que sei que sempre questionarei qualquer ato ou fato que EU julgue errado.
O mal cada dia mais maligno, o que pode parecer estranho é possível, todos temos um desejo, tanto para a bondade quanto para maldade. Desejamos abrir o portão para que o poodle da vizinha fuja e se perca na rua, para que nunca mais nos acorde com seus latidos na madrugada. Desejamos dar uns trocados para o garoto do sinal mas ele irá comprar cola com o dinheiro, então... Mas também não queremos que a filha da vizinha chore a perda do bichinho querido, mas eu não sei que a menina espanca o pobre e finge que gosta dele, e não sei, mas o garoto do farol vai apanhar do padrasto por chegar em casa sem os trocados que daríamos. Acredito que o bem e o mal se balanceiam, e por eu ser individualista, não vejo porque praticar mais a um ou outro, ou sequer os dois. Sei que posso ser bondoso, mas não aceito a recompensa que tantos se orgulham por isso, pois, como se orgulhar por ser bondoso enquanto renega o orgulho de alguém que se julga mal. Sei que posso ser mal, mas não desejo algo que não suportaria a mim mesmo. E pela minha aversão à maldade, pode parecer que sou defensor radical da bondade, mas a questão maldade ainda é mais impactante que a bondade, a razão de sua relevância. Em outro argumento tratarei do assunto, e também que um ato de bondade pode não ser tão bom assim. Enfim, recuso a compaixão ou ódio alheio, porque sou capaz de criar meu próprio azar, pois a Ética não é a verdade, e sim equilíbrio, e posso até evitar o orgulho, mas tenho como grande prazer a racionalidade.
¹ O caso do Denunciantes Invejosos. DIMOULIS, Dimitri – 2005. Ed. Revista dos Tribunais.
Original da edição The Morality Law, p. 245 a 253. Lon L. Fuller. 1969. Yale University Press.
² V for Vendetta. WACHOWSKI, The Brothers. MacTEIGUE, James. Vertigo/DC comics. 2005. Warner Bros Pictures.

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