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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Osso oficial – Gilberto P Reis

Osso oficial – Gilberto P Reis

Chovia aquela manhã, como todas as manhãs das últimas duas semanas. O dia acordando sem vontade, cinzento, fatigado.
E o nosso personagem se levanta pontualmente, como há 30 anos o faz. Desde que a mãe morreu vive só, sem criadas – o estado do cubículo já o revela -, nunca se casou, de mulher a mãe o bastava. A barba estava por fazer, não tinha a que importante se mostrar no dia, os cabelos grisalhos o condenava à idade mediana, estavam bem cortados, fora ao barbeiro há poucos dias. Apanha o guarda-chuva centenário, presente de sua mãe, inseparáveis, e sai do ninho. Desce as escadas, como já o fazia por meses, elevador quebrado, mas morava no terceiro andar, nenhum esforço. Saúda porteiro e sai.
Quadra e meia depois, sapatos e barra molhados por aquela chuva insistente, sente também costas respingadas, e retorna, esquece-se do inesquecível paletó cinza sempre postado no cambito de madeira que fica por detrás da porta da sala. Voltou, apanhou, vestiu e voltou.
Do seu pequeno apartamento cinqüentenário até o escritório eram seis quadras, seiscentas e cinqüenta passadas. Era advogado. Tem muitos advogados nesta cidade, muitos criminalistas como ele. Escritório pequeno e simples, em prédio simples, numa região de baixo prestígio imobiliário. Tinha uma secretária, que já ocupava seu posto, uma escrivaninha, um grande armário, destes de metal, daqueles próprios para arquivo. Um telefone em sua mesa e na mesa da dona Odete. Dona Odete provavelmente trabalha com ele há uns trinta anos, era senhora, solteira, sem predicados, a não ser os cabíveis para o trabalho.
Tinha uma janela donde, sentado em sua cadeira mesmo, ele observava a rua. _ Súcia. Não cansava de dizer. Era um recanto feio, sujo, esquecido. Mas não esquecido por mendigos e toda sorte de degenerados. Quando era jovem ali era bonito, paragens finas. Cinema, charutaria, charcutaria, café, confeitaria. Hoje? Igreja, zona, scothbar e botequim.
Antigamente bandido era diferente: bicheiro, malandro, jogador e por aí vai. Bandido de hoje não tem respeito nem honra. Odeia bandido, mas tá velho pra mudar de ramo, não tem cabeça pra especializar em outra área. Então atura.
Telefone não toca, mais um dia pra nada. Saudades da mãe. Aquela que era mulher, respeitável senhora, viúva de coronel. Nunca relou num homem senão seu marido, homem honrado.
_ Dona Odete! Algum recado?
_ Nenhum Doutor Arnaldo!
Bandido de hoje não respeita nem advogado, nem delegado, nem nada. Mas fazer o quê? Até juiz é corrupto, abrem as pernas pro primeiro almofadinha que aparece. Traficante lava as mãos na sopa da justiça. Então tudo bagunça. Raça do caralho. Súcia. Fica mais fácil pra ele, mas perde a graça, sem retórica, discurso, tribunal perde a graça. Vira mercadinho.
_ Doutor Arnaldo! Telefone!
_ Pode passar!
_ Pronto!
_ E aí dotô? Bicho pegou pro meu lado, tâmo precisando do senhor por aqui!
_ Quem está precisando?
_ Pô doto! É eu pôrra! O Tiquinho! Cê me soltou tem duas semanas!
_ Certo! Fala! Que foi desta vez?
_ Um cinco sete dotô! Tava precisando levantar uma grana forte e bichô a parada! Algum caguete. Tô no décimo oitavo! Dá pro senhor dá um pulinho aqui!
_ Tô indo praí! Mas tem "o meu"?
_ Já tá providenciado!
...
_ Dona Odete! Pega meu paletó que tô de saída!


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