Por onde andei... – Gilberto P. Reis
Acanguçu é uma cidade situada num extremo qualquer, mas num extremo litorâneo, pois trata-se de uma vila de pescadores, pescadores do mar. Bom, está num fim de mundo que o mundo não conhece, e que conhece pouco o resto do mundo. Eu mesmo não sei onde fica, e digo por verdade, e não resguardando mais um paraíso de vandálicos turistas, mesmo porque para se chegar em Acanguçu nem estrada tem. Caso alguém chegue ou saia de lá, ou é por mar ou à pé por trilhas e estradas estreitas e erodidas.
Os homens pescam, as mulheres não, elas cuidam das plantações de milho, mandioca e hortaliças, assim como, da coleta nativa. Mas as mulheres também são importantes para a pescaria no vilarejo, principalmente as mais moças, já que são elas que costuram as redes danificadas e respondem pela limpeza e salga dos peixes. Em Acanguçu não tem geladeira porque não tem eletricidade, então peixe tem que ficar no sal, e um pouco no sol. Mas é conservado assim não para vender mais tarde, porque ninguém em Acanguçu vende nada, ao menos não com freqüência, só quando precisam de roupa para as crianças, rapadura, fósforo e óleo para os lampiões e cachaça e fumo para os jogadores de truco. Eles plantam, pescam e criam o que comem. Não falei da necessidade de remédios, pois é, não há, pois lá também tem um curandeiro e mato que cura à vontade na mata.
Em Acanguçu há viúvas, as que estiverem velhas para o trabalho recebem de graça alimentos e suprimentos dos demais da vila, ninguém queixa o fardo. E também órfãos. Tem pescador que vai pro mar e não volta, coisas do mar, quase não se chora. Pra pescador que se presa, morrer no mar é distinto. Quem nasce no mar morrer na terra não presta. Os órfãos têm padrinhos, logo desamparados não ficam. Tem escola, onde se aprende a ler e escrever, um pouco. Quem ensina não sei. Vivem bem.
E assim segue a vida da aldeia, e suas obrigações cotidianas. Acanguçu não tem protagonista, todos seus personagens têm eqüidade. São atores mambembes. Acanguçu tem vida própria, regimento próprio. Portanto, sem prefeito ou governador, a vida é simples e fácil. Nem censo por lá passa, então título eleitoral ninguém tem. O povo de lá é caboclo, mulato, bonito. De pelos aloirados e secos, de pele dourada, não tem raça pura.
Acanguçu é cercada pelo mar pela frente e pela mata atlântica por trás, a mata ainda é cerrada, espessa, mas tem muitos anos que ninguém vê uma onça, nem uma jaguatirica sequer.
Sem copyright
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